segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Saudações Filosóficas

Prezado leitor,

Depois de quase três meses sem nenhuma postagem publicamos abaixo o ultimo escrito deste ano de 2011. Pedimos desculpas pela ausência nesses meses pois estivemos repletos de atividades profissionais para desempenhar: pudemos concluir algumas publicações, colaborar com a elaboração de políticas para a educação, ministrar disciplinas, palestras, orientações e cursos de extensão. Como não temos uma equipe de colaboradores tivemos que dar uma pausa nesse blogue para desempenhar essas atividades.

Aqueles interessados em publicar seus escritos sobre Ensino de Filosofia em 2012 por favor enviar para o email: semviolencia@gmail.com

Desejo que 2012 seja repleto de acesso a novos conhecimentos e de prazer pelo saber, tão carente hoje em dia e que a humildade sempre vos acompanhe para que a arrogância e a prepotência não vos cegue.

Saudações Filosóficas e FELIZ 2012

Profº Marney Eduardo Ferreira Cruz

O ato de pensar no contexto do Ensino da Filosofia

O ATO DE PENSAR: uma abordagem a partir de Gilles Deleuze

Francilene Corrêa Silva - IFMA


No que se refere ao ensino de Filosofia, tem-se ainda o entendimento de que o ato de pensar, ou pensar melhor se estabelece com uso de habilidades de pensamento, como explicar, dar definições, reformular. Por outro lado, pensar é refletir acerca de problemas e questões sobre os quais os filósofos já pensaram, sem compreender a relação do problema o qual o conceito foi criado. O aluno, nas aulas de Filosofia, muitas vezes é conduzido a pensar através de perguntas e respostas sobre temas, como: o que é justiça? o que é liberdade? o que é ser ético?
O ato de pensar inclui algo que vai além da capacidade de desenvolver metodologias que conduzem ao pensamento, através de habilidades que proporcionam o pensar filosófico, é, sobretudo, experimentar a vida através de construções e desconstruções de conceitos.
A Filosofia tem uma ligação íntima com o pensar. Ela é uma forma de exercitá-lo, permitindo ainda uma experiência de pensamento à medida que proporciona uma abertura para que o pensar não se mantenha em um ponto fixo, fechado e acomodado. Essa dimensão do pensar, enquanto experiência já traz consigo essa possibilidade de abertura. Ela é o pensamento vivo, que não se conforma com o que já foi pensado, que recoloca novas possibilidades para se pensar de outra forma, e que ainda é capaz de criar, a partir de uma força que expande esse pensar. Para Kohan (2007) isto se dá “[...] quando se torna impossível pensar da mesma maneira, quando se torna urgente e necessário pensar de outra forma.”
Nesse mesmo entendimento Lima (2000, p.199), afirma que:
[...] esta é uma das possibilidades do ensino de filosofia: experimentar novas
relações entre os seres, construir novas composições; o pensamento como plano de
composição onde as relações e os acontecimentos se constroem e se desconstroem.
Porque os conceitos filosóficos não são noções universais, mas singularidades, à
reflexão, à comunicação, onde o conceito impede o pensamento de ser uma
simples opinião; o conceito é o que faz pensar em domínios heterogêneos.

É importante perceber a nítida relação da Filosofia com a experiência, sobretudo porque esta última torna-se necessária para a construção do pensamento criativo. Segundo Gallo e Kohan (2000, p.192):
A filosofia é uma atividade de fazer experiências de pensamento, transversalmente
atravessando o vivido e construindo sentidos para esses acontecimentos. Escalar
as alturas e mergulhar nas profundezas, sem perder o sentido da superfície. [...]
Não se contenta com as explicações corriqueiras, com a doxa, com as facilidades
oferecidas por uma literatura barata e pela mídia eletrônica ainda mais diluída;
mas experimentar, buscar estados alterados, buscar o diferente, o desviante, o
devir.
No que se refere aos jovens no Ensino Médio, a Filosofia pode ser interessante à medida que dá força para os jovens explorarem seu pensar, pensando em algo além do que já foi pensado, expandindo o seu pensamento.
E isso se dá com o conceito, atingindo certa dimensão capaz de desestabilizar as idéias.
[...] a filosofia não é contemplação, nem reflexão, nem comunicação, mesmo se
ela pôde acreditar ser ora uma, ora outra coisa, em razão da capacidade que toda
disciplina tem de engendrar suas próprias ilusões[...]. (DELEUZE; GUATTARI,
1992, p. 14).
Não tendo mais o filósofo, na visão de Deleuze, o papel de refletir “sobre”, ele atribui outro sentido sobre o que é Filosofia e sobre o que é pensamento. Concebe-se então a razão não mais como um julgamento de um a priori, mas como captura dos acontecimentos através da criação de conceitos. Assim, pensamento e acontecimento estão envolvidos pela força que este último provoca.
Deleuze, em Diferença e Repetição apresenta um entendimento sobre o pensar sem estar atrelado à imagem de recognição, representação, que são formas em que se é construída a imagem dogmática do pensamento em Filosofia.
A imagem clássica e dogmática na Filosofia coloca o pensamento e a verdade lado a lado, entendendo que o pensamento quer a verdade, universalizando a idéia de que todos sabem o que significa pensar, o que para Deleuze é entendido como senso comum e que é a forma da representação e recognição no pensamento. Para Deleuze (1988, p. 216) a forma “todo mundo sabe, ninguém pode negar é a representação e o discurso do representante”. Desse modo, ele parte do senso comum, entendendo que todos naturalmente sabem o que é pensar.
Deleuze critica a idéia de que o sujeito que pensa deseja a verdade e tem a faculdade de “um pensamento natural dotado para o verdadeiro, em afinidade com o verdadeiro, sob o duplo aspecto de uma boa vontade do pensador e de uma natureza reta do pensamento” (1988, p. 218).
A imagem do pensamento através da recognição é o modelo que o exercício do pensamento se apresenta acerca do objeto, em que “[...] atos de recognição existentes ocupam grande parte de nossa vida cotidiana: é uma mesa, é uma maçã, é o pedaço de cera [...]”. (DELEUZE, 1988, p.224).
Deleuze não exclui a existência da recognição, mas não atribui a ela a constituição do pensamento. Ele critica o entendimento que a Filosofia tem dos encontros que afetam a sensibilidade do pensador, pois são encontros produtores de desvios para o erro devendo ser evitados, à medida que não correspondem ao verdadeiro. Por outro lado, ele concorda com a idéia de que esses encontros possibilitam o desencadeamento do pensamento que envolve a diferença.
Produzir pensamento, em Deleuze, é o resultado da força que os encontros provocam no sujeito pensante.
Assim, existe alguma coisa que nos força a pensar, e
[...] é o objeto de um encontro fundamental e não de uma recognição. [...] Pode ser
apreendido sob tonalidades afetivas diversas, admiração, amor, ódio, dor. Mas, em
sua primeira característica, e sob qualquer tonalidade, ele só pode ser sentido.
(DELEUZE,1988, p.231).

Temos então que o pensamento é forçado e não natural, não é apenas reconhecido, mas provocado por um encontro que desassossega o sujeito. Em oposição à Filosofia Clássica, Deleuze tenta sair da recognição e da imagem dogmática e inclui uma forma de pensamento que vai além do natural.
Para ele, os conceitos da tradição que se utilizam do modelo de recognição não finalizam a força que estimula o pensar.
O pensamento é provocado pela força de um encontro que mexe e incomoda. A diferença provoca o
pensamento à medida que há incompatibilidade, discordâncias das faculdades entre si. Segundo Deleuze (1988, p. 239), “no caminho que leva ao que existe para ser pensado, tudo parte da sensibilidade.” O pensamento é estabelecido não por recognição, e sim pela sensibilidade. O amor, a admiração, o ódio, a dor, são forças que são sentidas pelo pensador, provocando um encontro, que conduz ao pensamento. Dessa forma, é a sensibilidade que inicia o pensamento.
Assim, ao contrário dos filósofos que tinham a imagem do pensamento na representação, entendendo que haveria uma boa vontade no pensador que o faria pensar, a idéia da diferença em Deleuze, compreende que o pensamento é possível através da sensibilidade, movendo o pensador a posicionar-se perante um problema, dando uma abertura para se pensar o que ainda não se pensou.Um texto, uma obra de arte, ou até mesmo um acontecimento é capaz de inquietar, mexer com os sentidos, possibilitando e permitindo o pensamento.
Podemos afirmar que para Deleuze, o pensamento que se dá pela diferença, não se constitui pela
identificação e representação do objeto, mas, sobretudo, a partir de discordâncias de possibilidades. Segundo a idéia do pensamento através de recognição, a homogeneidade o permanente do mundo é o que há para ser conhecido através do pensamento.
Para Deleuze (1988, p.243):
Sabe-se que pensar não é inato, mas deve ser engendrado no pensamento. Sabe
que o problema não é dirigir, nem aplicar metodicamente um pensamento
preexistentente por natureza e de direito, mas fazer com que nasça aquilo que
ainda não existe [...]. Pensar é criar, não há outra criação, mas criar é antes de
tudo, engendrar, “pensar” no pensamento.
O pensamento, entendido pela Filosofia Clássica como inato, é conduzido a buscar a verdade das coisas, ignorando as forças que o provocaram. Dessa forma Deleuze, destaca que a Filosofia está vinculada a ilusões, que podem impedir a criação e a diferença no pensamento.
Tais ilusões estão atreladas à relação existente entre o pensamento e o problema. Uma perspectiva dessas relações ocorre quando já existem propostas para o problema, mas ainda assim, elas devem conduzir ao pensamento; outra é ter que atribuir uma solução para o problema, como forma de torná-lo autêntico.
O problema é entendido, na Filosofia da diferença, não através de condições propostas anteriormente para tentar solucioná-lo fora de um contexto, mas por construções feitas a partir dele mesmo.
Pensar, portanto, não implicaria a capacidade de resolver problemas, mas a capacidade de criar, construir suas próprias produções de acordo com o contexto inserido e com o sentido encontrado pelas suas condições.
As singularidades e diferenças aqui se fazem presentes, uma vez que cada sujeito apresenta construções acerca dos problemas suscitados. A Filosofia da diferença não define o problema pelas suas possíveis soluções, mas pelas condições implicadas no sujeito capazes de provocar encontros.Poderemos pensar um ensino de Filosofia que provoque encontros que mexam, desassosseguem os alunos, pensando através da perspectiva de que o sujeito pensante não está predisposto a pensar. Afinal, o que encontramos são alunos que encontram dificuldades em pensar, ficando muitas vezes inertes a desenvolverem seus pensamentos.
Investigar a aprendizagem dos alunos no que se refere aos seus movimentos dos pensamentos nas aulas de Filosofia nos possibilita também perceber a relação mais íntima que os alunos estabelecem com ela. Perceber aproximação ou distanciamento, nessa relação é fundamental, não para julgar o que seria certo ou errado, mas para sentir esse universo.
Acreditado que o pensamento não se estabelece em um eu unificado, mas em um “Eu rachado”, onde “os imperativos ou as questões que nos atravessam não emanam do Eu, que nem mesmo está aí para ouvi-los”
(Deleuze, 1988, p.321) relacionam-se com o Eu rachado “cuja rachadura eles deslocam e reconstituem a cada vez segundo a ordem do tempo” (Deleuze, 1988, p.321), demandando do pensador uma abertura para a aventura do pensamento, encontrando o diferente, o novo, enquanto produto da criação faz o pensamento ser bem mais que o exercício da razão.
Dessa forma é importante pensar um ensino de Filosofia que não imponha o que o aluno deva pensar e que não considere este um sujeito unificado, mas rachado, capaz de se permitir ir a um encontro com algo que o force a pensar, possibilitando uma abertura ao pensamento, fez-se necessário analisar no período do estágio no CENTRO INTEGRADO DO RIO ANIL- CINTRA, como é estabelecida a relação dos alunos com a Filosofia, no que diz respeito à forma como eles são conduzidos ao exercício do pensamento, bem como examinar através
do exercício de escrita, argumentação e pensamento as dificuldades e o prazer dos alunos em estudar Filosofia.
Essa experiência permitiu-nos verificar que ainda encontramos professores que acreditam que o sujeito da aprendizagem esteja pré-disposto ao pensamento e que todos devam pensar tendo em vista o mesmo caminho, o mesmo raciocínio, para se ter o mesmo ponto de chegada sobre o que está sendo trabalhado, sem levar em consideração a sensibilidade do aluno para captar o que lhe faz desassossegar, incomodar e forçar pensamentos.
Os alunos registram em seus relatos como principais dificuldades: ler textos filosóficos; expor com coerência e criticidade os seus argumentos e suas idéias; e a falta de conhecimento sobre o assunto trabalhado. Seria importante perceber se, ao apresentar essas dificuldades, eles não estariam sentindo a necessidade de algo: o exercício do pensamento.
É necessário que o sujeito construa seu pensamento a partir de um encontro, um estranhamento
com algo que o force a pensar, e isso pode ser uma música, um poema, uma obra de arte, um texto filosófico, trabalhado com o aluno. Tendo em vista sentir de perto tais dificuldades, foi pedido aos alunos do 3º ano do Ensino Médio do CINTRA que escrevessem sobre as principais dificuldades no que se refere a pensar no espaço das aulas de Filosofia. Nesse primeiro momento, destacamos relatos de alguns alunos, os quais tiveram seus nomes originais reservados.

O restante do texto pode ser consultado em: http://connepi.ifal.edu.br/ocs/anais/conteudo/anais/files/conferences/1/schedConfs/1/papers/1484/public/1484-5195-1-PB.pdf




REFERÊNCIAS
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2006.
DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. São Paulo: Graal, 1988.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
GALLO, Sílvio. O Ensino de Filosofia No Contexto de Uma “Educação Menor”. IN: ROLLA, Aline Bertilla
Mafra; NETO, Antônio dos Santos; QUEIROZ, IVO Pereira de. (Org.). Filosofia e Ensino: possibilidades e
desafios. Ijuí: Ed. Unjuí, 2003, p. 23-33.
GALLO, Sílvio; KOHAN. Walter Omar (Org.). Filosofia no Ensino Médio. Petrópolis: Vozes, 2000.
KOHAN. Walter Omar. A Experiência do pensar. In: GALLO, Sílvio; FAVARETTO, Celso; ASPIS, Renata
Lima. A Experiência Filosófica: filosofia no ensino médio. Produção: CEDIC e Atta Mídia e Educação.
Belo Horizonte, 2007. 1 DVD.
LIMA, Walter Matias. Considerações Sobre Filosofia no Ensino Médio Brasileiro. IN: GALLO, Sílvio;
KOHAN. Walter (Org.). Filosofia no Ensino Médio. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 197-205.
LIMA, Walter Matias. Considerações Sobre Filosofia no Ensino Médio Brasileiro. IN: GALLO, Sílvio;
KOHAN. Walter (Org.). Filosofia no Ensino Médio. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 197-205

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

UFABC promove a I Olimpíada de Filosofia do Estado de SP



Professores e alunos na I Olimpíada de Filosofia do Estado de São Paulo

No último dia 24 de setembro o Câmpus Santo André sediou a primeira edição paulista das Olimpíadas de Filosofia, tendo como tema central "O mundo é admirável?! O que nos torna plenamente humanos?". Cerca de 350 estudantes dos ensinos Fundamental e Médio - das redes pública e privada – participaram das atividades olímpicas. Prestigiaram também o evento diretores de escolas, coordenadores e pais de alunos.

Mais de 15 cidades de São Paulo foram representadas nesta edição. As apresentações contemplaram diferentes formas de expressão: teatro, poesia, performance, desenho, vídeo, fotografia, pôster e música.

Em 1995, a UNESCO recomendou a promoção das Olimpíadas de Filosofia tanto na esfera nacional, como internacional, a fim de estimular o interesse dos jovens por essa disciplina. Na América Latina o evento já acontece em países como Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai, Peru e Colômbia. No Brasil, as Olimpíadas de Filosofia foram realizadas apenas no Rio Grande do Sul. O prof. Dr. Sérgio Sardi, coordenador das Olimpíadas no Sul do país, esteve na UFABC nessa primeira edição paulista, a qual teve apoio da Pró-reitoria de Extensão (PROEX). Com um espírito de acolhimento, troca de experiências, diálogo investigativo e trabalho colaborativo, o evento busca contribuir com as discussões sobre as possibilidades filosóficas do ensino da Filosofia.



Além disso, o evento também objetiva promover a integração entre as escolas, o fortalecimento do vínculo entre a Universidade e a Comunidade e o reforço dos objetivos do Ministério da Educação de reintrodução da Filosofia como disciplina obrigatória no Ensino Médio. "De maneira mais específica, as Olimpíadas de Filosofia do Estado de São Paulo buscam aprimorar as habilidades de ler e escrever textos filosóficos, vivenciar o questionamento, a investigação de conceitos e a criação de novas possibilidades de pensar, promover a interface entre a Filosofia e outras áreas do conhecimento e fomentar a participação dos discentes da Educação Básica como agentes criadores e responsáveis pelas atividades", explica Patrícia Del Nero Velasco, coordenadora do evento e do curso de Licenciatura em Filosofia da UFABC.


Fonte: http://www.ufabc.edu.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5518:ufabc-promove-a-i-olimpiada-de-filosofia-do-estado-de-sp&catid=731:noticias&Itemid=183

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Curso gratuito na UFC para professor de Filosofia e de outras disciplinas



Encerram-se sexta (23) as inscrições para seleção de candidatos às atividades de formação continuada de professores, em nível de extensão, promovidas pelo Núcleo Humanas, da UFC. São ofertadas 90 vagas para a formação "Programa de Acompanhamento aos Docentes Iniciantes da Carreira do Magistério" e 115 vagas para o "Curso Formação Cidadã: currículo e transversalidade".

O público-alvo, para o "Programa de Acompanhamento aos Docentes", são professores comprovadamente vinculados à Rede Pública de Educação Básica do Estado do Ceará, graduados nas áreas de Geografia, História, Filosofia, Pedagogia ou Sociologia, com até quatro anos de experiência no magistério. Para o "Curso Formação Cidadã" não há restrições quanto à área de formação.

As inscrições são gratuitas e devem ser feitas, de 9h às 12h e de 14h às 17h, na secretaria do Núcleo Humanas, situado no Anexo do Instituto UFC Virtual (Térreo do prédio da Biblioteca Central, no Campus do Pici). Cada candidato poderá solicitar inscrição em apenas uma das atividades de formação. Ficha de inscrição e mais informações no site do Núcleo Humanas.

Fonte: Prof. Marney Cruz, Coordenador pedagógico do Núcleo Humanas - (fone: 85 3366 9032)

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

PALESTRA EM RECIFE: Ensinar Filosofia ou Ensinar com Filosofia


O professor Walter Kohan, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro "UERJE" irá ministrar a palestra "Ensinar Filosofia ou Ensinar com Filosofia", no dia 26 de agosto, às 15 horas, no auditório do Centro de Educação da UFPE.

O evento faz parte do curso de extensão "O Ensino da Filosofia no Ensino Médio", promovido pelo professor Junot Matos, do Departamento de Fundamentos Sócio-Filosóficos da Educação.

Fonte: http://www.ufpe.br/dfsfe/index.php?option=com_content&view=article&id=312:ensino-de-filosofia-e-tema-de-palestra&catid=2:extensao&Itemid=247&Itemid=122

Endereço: Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50670-901 | Fone PABX: (81) 2126.8000

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A natureza da filosofia e o seu ensino




Desidério Murcho
Universidade Federal de Ouro Preto

Introdução

Neste artigo defende-se duas idéias principais. Primeiro, que compreender a natureza aberta e especulativa da filosofia é uma condição necessária para uma compreensão fecunda do seu ensino. E segundo, que para se ter uma compreensão fecunda do ensino da filosofia é necessário distinguir cuidadosamente as competências estritamente filosóficas da informação histórica, e a leitura filosófica ativa dos textos dos filósofos da sua mera compreensão.
Abertura e especulação

A filosofia distingue-se de disciplinas como a história ou a física por apresentar poucos resultados consensuais: a maioria dos problemas centrais da filosofia continua em aberto. Não há respostas amplamente consensuais1 sobre se temos ou não livre-arbítrio, se Deus existe, quais são os fundamentos da ética, ou sobre a natureza da arte. Isto contrasta com a história, a biologia ou a física; nestas disciplinas há muitíssimos resultados amplamente consensuais.
Contudo, seria um erro pensar que nestas disciplinas não há, como em filosofia, problemas em aberto. Há problemas em aberto em todas as disciplinas, mas no caso da filosofia temos muitíssimos mais problemas em aberto do que resultados consensuais. E é até defensável que é nas fronteiras da física, por exemplo, que se encontra a verdadeira natureza da disciplina, e não na imensidão de resultados acumulados ao longo dos séculos.2
É importante compreender o que significa dizer que a maioria dos problemas centrais da filosofia continua em aberto. Esta afirmação não significa três coisas.
Em primeiro lugar, não significa que não há resultados; claro que há — as diferentes idéias defendidas pelos diferentes filósofos são resultados da filosofia. Só que não são resultados substanciais consensuais, ou seja, resultados substanciais que a generalidade dos filósofos aceite. Alguns filósofos defendem que temos livre-arbítrio, outros defendem que não temos; alguns defendem que o mal moral e natural é compatível com a existência de um Deus teísta, outros defendem que não; alguns que a arte pode ser definida, outros defendem que a arte não pode ser definida; alguns defendem que as intenções não contam na avaliação moral das ações, outros defendem que contam.
Em segundo lugar, não significa que não há alguns resultados consensuais em filosofia. Também os há, mas estes não são substanciais, no sentido em que consistem sobretudo em resultados negativos ou transversais. Os resultados negativos são a descoberta de que um determinado argumento ou teoria não funciona, como é o caso do argumento da causa primeira, ou a teoria verificacionista do significado. Os resultados transversais são o estabelecimento de distinções ou meramente instrumentais, como é o caso da distinção entre o mal natural e o mal moral, por exemplo, ou entre designadores rígidos e designadores não rígidos (outra coisa diferente, esta já substancial, é saber se os nomes próprios são designadores rígidos, como defende Kripke). Em ambos os casos, não se trata de resultados teóricos substanciais; no primeiro caso, porque se trata de resultados que nos dizem apenas o que é falso, e não o que é verdadeiro; no segundo, porque são resultados transversais, neutros quanto às discussões substanciais, ou seja, resultados que os filósofos que defendem teses opostas aceitam.
Em terceiro lugar, defender que a filosofia é fundamentalmente uma disciplina em aberto não é necessariamente o prelúdio de um elogio ao permanente "questionamento" sem rumo, ao amor pelo questionamento em si, desprezando resultados como os das ciências, que nos permitem andar de avião, curar a tuberculose ou compreender a estrutura íntima dos átomos. Na verdade, esta posição dificilmente é sustentável. O que pretendemos quando estudamos o problema do livre-arbítrio é saber se temos ou não livre-arbítrio; queremos saber se existe Deus ou não; queremos saber se os nomes próprios são designadores rígidos ou não. Há uma diferença subtil entre querer continuar a estudar filosofia apesar de esta não nos dar resultados consensuais substanciais, e desprezar tais resultados para podermos aceitar o caráter aberto da filosofia. A segunda atitude é uma forma disfarçada de cientismo, como veremos, pois pressupõe que só vale a pena querer resultados consensuais substanciais quando temos métodos que os garantam. Pelo contrário, compreender o caráter aberto da filosofia significa querer resultados consensuais substanciais, como qualquer pessoa que faz qualquer outro estudo quer resultados, apesar de sabermos que são escassos. Mas tentamos e voltamos a tentar e voltamos a tentar. Tentamos porque queremos resultados consensuais substanciais, ainda que saibamos que a probabilidade de os obter é pequena.

O problema do ensino da filosofia

Poderá parecer que afirmar que a filosofia é uma disciplina em aberto, sem resultados substanciais consensuais, é uma forma de apoucar a disciplina, de a denegrir ou subalternizar. Contudo, como veremos, há razões para pensar que esta percepção resulta de cientismo. Em qualquer caso, é importante declarar desde já que o caráter aberto da filosofia em nada diminui o seu valor cognitivo ou social, a sua seriedade acadêmica ou escolar, ou a sua importância existencial.
Em qualquer caso, as instituições de ensino — tanto universitário como pré-universitário — estão sobretudo preparadas para ensinar aos estudantes os resultados consensuais substanciais das diferentes disciplinas das humanidades, das ciências da natureza ou da matemática. As instituições de ensino procuram apresentar aos estudantes tais resultados de modo a que este possa compreendê-los e passe a dominá-los com proficiência. Ao estudante compete unicamente compreender os resultados fundamentais da sua disciplina, e eventualmente saber aplicá-los no desempenho de uma profissão associada.
Se tentarmos aplicar este modelo de ensino à filosofia, teremos de algum modo de ultrapassar a inconveniência de não podermos em boa-fé dizer aos estudantes que a teoria do conhecimento de Kant é consensual, ou que as idéias de Nietzsche sobre a ética são amplamente aceites entre os filósofos. A solução habitual é procurar substituir a filosofia por outra coisa qualquer: pela história da filosofia, pelo ensaísmo literário ou pela especulação de caráter mais ou menos vagamente sociológico ou psicológico.
Qualquer uma destas estratégias visa evitar o escândalo de a filosofia não ser como as outras áreas disciplinares: não temos resultados substanciais amplamente consensuais para apresentar aos estudantes. A filosofia é uma disciplina especulativa, que lida com problemas que ninguém sabe resolver. Esta realidade não é apenas difícil de aceitar porque as instituições de ensino estão sobretudo vocacionadas para transmitir o conhecimento já feito aos estudantes. Há outra razão mais profunda.

Cientismo


É natural pensar que a menos que uma dada área disciplinar disponha de resultados seguros e métodos garantidos, como a física, a matemática ou a história, não vale a pena estudar essa área disciplinar. É natural identificar a solidez acadêmica de uma dada área de estudos com a quantidade de resultados substanciais que essa área produz. Chamemos "cientismo" a esta idéia. O cientismo manifesta-se na idéia de que ou a filosofia é mais ou menos como a biologia ou a história, no sentido de ter metodologias que garantam resultados substanciais definitivos ou quase definitivos, ou então a filosofia tem de ser abandonada, pelo menos nos moldes em que tradicionalmente foi feita durante séculos.
Assim, quer porque as instituições de ensino estão sobretudo vocacionadas para ensinar resultados substanciais aos estudantes, quer porque a ausência de resultados substanciais em filosofia causa algum desconforto, o ensino da filosofia levanta problemas importantes:
Se não há resultados consensuais substanciais em filosofia, o que há exatamente para ensinar?
Como lidar com a diversidade de teorias defendidas pelos filósofos?
Que tipos de competências e conteúdos são centrais no ensino da filosofia?
É a estas perguntas que temos de tentar responder. Para isso, é importante caracterizar melhor a filosofia.

O que é a filosofia?


A filosofia não é uma disciplina empírica, como a história ou a física. É uma disciplina a priori ou que se faz pelo pensamento apenas. Não usamos laboratórios, estatísticas, observações telescópicas ou microscópicas. Neste aspecto, a filosofia está mais próxima da matemática, que é também uma disciplina a priori. Isto não significa que não possamos em filosofia apresentar hipóteses de caráter empírico; mas significa que se é possível testar empiricamente essas hipóteses, não são hipóteses filosóficas: são apenas hipóteses sociológicas, psicológicas, biológicas ou outras.
Apesar de a filosofia ser uma disciplina a priori, a informação empírica pode ser relevante em muitas das suas áreas. Essa informação, contudo, é geralmente fornecida pelas outras disciplinas, e não pela filosofia em si.
Podemos ilustrar o caráter a priori da filosofia considerando um problema de ética aplicada: será imoral provocar dor nos animais não humanos? Este problema não é susceptível de ser resolvido empiricamente. Mas precisamos de informação empírica para o resolver: precisamos de saber, por exemplo, que muitos animais não humanos têm sistemas nervosos como o nosso e que por isso sentem dor como nós. Esta informação empírica é fornecida pela biologia. Mas precisamos de um argumento filosófico para defender que é imoral provocar dor nos animais não humanos — ou que não é. O argumento terá de ser filosófico porque as suas premissas fundamentais são a priori, ainda que outras premissas possam ser empíricas. E essas premissas empíricas não resultam da investigação filosófica, mas sim da investigação nas disciplinas empíricas relevantes.
Do ponto de vista do cientismo, este aspecto a priori da filosofia é chocante. Parece que desqualifica a filosofia enquanto disciplina acadêmica séria. Quando se adota o cientismo, há a tendência para pensar que só a matemática, por razões que veremos depois, tem o direito de ser uma disciplina a priori. Qualquer outra investigação da realidade e do conhecimento tem de ser empírica. Contudo, esta posição é pura e simplesmente auto-refutante. Pois a própria tese de que se algo não é susceptível de investigação empírica, então não é susceptível de uma investigação acadêmica séria não é susceptível de uma investigação empírica; por outras palavras, é tipicamente uma tese filosófica — e a priori. É neste sentido que a filosofia é inevitável: qualquer argumento que vise refutar a filosofia é auto-refutante porque nunca será um argumento científico, mas sim filosófico.3
O cientismo que desconfia do caráter a priori da filosofia é uma manifestação do desconforto perante a falta de resultados consensuais. Caso em filosofia se tivesse produzido inúmeros resultados nos últimos duzentos anos, nomeadamente tecnológicos, já o caráter a priori da filosofia não seria chocante. Contudo, os problemas da filosofia existem realmente, tenhamos ou não resultados e tenhamos ou não metodologias aceitáveis do ponto de vista do cientismo. Os problemas da filosofia não desaparecem se fingirmos que não existem só porque não temos métodos empíricos que sejam vistos como científicos pelo partidário do cientismo. A filosofia não é uma invenção ociosa de problemas fantasiosos porque mesmo para mostrar que alguns problemas da filosofia são pseudoproblemas é preciso argumentar filosoficamente.
Compreende-se agora um pouco melhor por que razão tantas vezes se foge da filosofia para a história da filosofia: é que neste caso, por ser uma disciplina histórica, e como tal empírica, a seriedade acadêmica da disciplina já não fica em causa. Para usar o exemplo anterior, não se trata já de pensar diretamente sobre o problema de saber se é imoral provocar dor nos animais não humanos, problema desconfortável porque não pode ser tratado empiricamente. Em história da filosofia procura-se, antes, explicar cuidadosamente o pensamento de um dado filósofo, como Kant ou Peter Singer, sobre este tema. E agora as metodologias já são claramente reconhecíveis como aceitáveis do ponto de vista do cientismo porque são metodologias empíricas: trata-se de interpretar documentos, cotejar fontes, confrontar comentadores. Esta substituição da filosofia pela sua história tem um aspecto irônico e até divertido. É que se os filósofos tivessem os mesmos pruridos quanto ao caráter a priori da filosofia, não haveria filosofia para se poder fazer a sua história.
Em conclusão, a filosofia não é uma disciplina empírica como a física ou a história; é uma disciplina a priori como a matemática. Contudo, em filosofia não há métodos formais de prova. Na matemática estudam-se exclusivamente aqueles problemas que podem ser resolvidos recorrendo aos métodos formais da própria matemática. Em filosofia, contudo, não há quaisquer métodos formais de prova. Podemos usar a lógica, e devemos, mas a lógica é apenas instrumental: não resolve os problemas da filosofia, nem determina o que é ou não um problema filosófico. Num certo sentido, um problema é filosófico precisamente quando não há quaisquer metodologias científicas, nem formais, para tentar resolvê-lo.

Os problemas da filosofia


Esclarecida brevemente a natureza da filosofia, vejamos agora brevemente os seus elementos constituintes. A filosofia ocupa-se de problemas que se caracterizam, entre outras coisas, por não serem susceptíveis de serem estudados recorrendo a metodologias empíricas nem formais. Em termos mais positivos, os problemas da filosofia caracterizam-se por terem um caráter iminentemente conceptual.
Isto não deve ser interpretado, contudo, como significando que a filosofia se ocupa de conceitos, e não de realidades extraconceptuais; ou seja, que a filosofia se ocupa da nossa concepção da realidade e não da própria realidade. Era comum caracterizar a filosofia deste modo durante a primeira metade do séc. XX, em parte porque este modo de entender a filosofia era aceitável do ponto de vista do cientismo. Contudo, o que nos interessa realmente saber é o que é a justiça, por exemplo, e não qual é a natureza e estrutura do nosso conceito de justiça. Ou, para dar outro exemplo, queremos saber o que é o conhecimento, e não qual é a natureza e estrutura do nosso conceito de conhecimento. É verdade que, no seu labor, os filósofos esclarecem muitos conceitos. Mas a finalidade de tal trabalho é esclarecer a natureza das realidades que respondem a esses conceitos.
Assim, os problemas da filosofia têm um caráter fortemente conceptual no sentido em que não parecem susceptíveis de qualquer tipo de abordagem empírica ou formal. Isto é verdade em geral, mas poderá haver algumas exceções, que acontecem sobretudo quando a filosofia lida com áreas nascentes da ciência, ou que estão prestes a tornar-se ciência. São áreas de saudável intercepção transdisciplinar, que ocorrem quando as ciências lidam com aspectos fundacionais da realidade, ou tão gerais que têm aspectos filosóficos.
Contudo, não se deve pensar que quando as ciências empíricas abordam com sucesso áreas de problemas da filosofia conseguem efetivamente resolver os problemas filosóficos que estavam em causa. Por exemplo, a discussão filosófica sobre a natureza relativa ou absoluta do tempo tem raízes tão antigas quanto as reflexões algo crípticas de Aristóteles a esse respeito, e alimentou depois a polêmica filosófica entre Leibniz e Newton. Poder-se-ia pensar que a física moderna de Einstein resolveu o problema, declarando o tempo relativo — mas isto é falso. O sentido em que o tempo é relativo na física de Einstein não é o sentido que estava em causa na discussão filosófica sobre a natureza do tempo. Além disso, há outros problemas filosóficos sobre o tempo acerca dos quais a física nada tem a dizer, nem parece poder vir a ter algo a dizer.4
Assim, os problemas da filosofia têm uma identidade própria, ainda que em alguns casos vaga e transdisciplinar. Mas é possível distingui-los razoavelmente bem dos problemas não filosóficos. Invocando Hume, mas num sentido totalmente diverso, podemos dizer que se um problema não é susceptível de abordagem empírica nem formal, não deve ser deitado às chamas, mas antes deixado à filosofia.

Teorias e argumentos

Para tentar resolver os problemas da filosofia os filósofos apresentam teorias — aquilo a que por vezes se chama também teses, ou perspectivas, ou até filosofias. As perspectivas dos filósofos são respostas a problemas filosóficos; os problemas podem ser reais ou ilusórios, e as teorias podem ser mais ou menos plausíveis. Mas as suas perspectivas não são como ficções literárias; são tentativas de resolver problemas que os seus proponentes viam como reais e importantes.
Tanto podemos usar o termo "teoria", como o termo "perspectiva", ou "tese", ou qualquer outro: importa é saber que estamos a falar das idéias que os filósofos defendem, distinguindo isso dos problemas que formulam e dos argumentos que usam. Independentemente do que lhes chamarmos, o importante é não usar um termo que dê logo à partida a idéia falsa de que estudar filosofia é apenas uma questão de apreciar e aplaudir as idéias dos filósofos, mas não de as discutir. Se usarmos um termo como "perspectiva", por exemplo, poderemos ser levados a pensar que cada qual tem a sua perspectiva, não fazendo sentido discuti-las para saber que perspectivas são mais plausíveis. Assim, o termo "teoria" surge como mais claramente neutro; uma teoria é uma idéia razoavelmente sofisticada e articulada que alguém defende.
Precisamente porque os problemas da filosofia são de caráter conceptual, também as teorias filosóficas o são. As teorias filosóficas não são empíricas nem formais. Distinguem-se assim das teorias da biologia ou da matemática. E, pelas mesmas razões que o cientismo tem relutância em aceitar a realidade dos problemas da filosofia, tem relutância em aceitar que uma teoria possa ser academicamente séria não sendo empírica nem formal. Mas as teorias filosóficas não são empíricas nem formais porque nenhumas teorias empíricas ou formais parecem poder resolver os problemas da filosofia. E portanto, dada a realidade dos problemas da filosofia, a teorização filosófica é o único tipo de coisa a fazer, se não quisermos fingir que os problemas não existem.
E chegamos ao aspecto central da atividade filosófica: a argumentação. Os argumentos sustentam as teorias. Isto não acontece apenas em filosofia; todas as teorias, sejam científicas, históricas ou filosóficas, se sustentam em argumentos. A diferença é que os argumentos científicos que sustentam as teorias da ciência têm tendência para desaparecer de vista, por causa dos dois aspectos que discutimos no início:
Por um lado, a ciência apresenta resultados, e isso é que parece interessar às pessoas, e não as razões que temos para pensar que tais teorias são verdadeiras ou aproximadamente verdadeiras. As pessoas parecem mais interessadas em compreender teorias científicas que pressupõem que são verdadeiras porque aceitam a autoridade dos cientistas do que em saber que razões têm os cientistas para pensar que são verdadeiras.
Por outro lado, as instituições de ensino estão vocacionadas para transmitir teorias de modo algo autoritário, como resultados consensuais que não devem ser postos em causa. E é pena, porque mesmo tendo a ciência tantos resultados importantes, os estudantes nunca compreenderão a verdadeira natureza da ciência se pensarem que é apenas um conjunto de resultados que devemos aceitar acriticamente, por mero recurso à autoridade dos cientistas.
Em filosofia, os argumentos são muitíssimo mais visíveis precisamente porque não há teorias consensuais. Por isso, não podemos fingir que ensinar filosofia é apenas uma questão de ensinar a compreender teorias. Dado que as teorias dos diferentes filósofos se contradizem entre si, é importante saber que razões tem cada um dos filósofos para pensar que a sua teoria é verdadeira; se não o fizermos, o estudante fica com a noção errada de que a filosofia é apenas uma rapsódia de teorias diferentes umas das outras.

E como se ensina isso?

Agora que caracterizamos brevemente a filosofia e os seus elementos, podemos abordar com maior rigor o problema do seu ensino. A primeira coisa óbvia é que se a filosofia é um conjunto de problemas, teorias e argumentos, ensinar filosofia é ensinar esses problemas, teorias e argumentos. Em ética, por exemplo, ensinamos o estudante a compreender o problema da fundamentação da moral, as teorias éticas conseqüencialistas, deontológicas, contratualistas e das virtudes, e os respectivos argumentos que as sustentam.
Contudo, se reduzirmos o ensino da filosofia ao ensino dos problemas, teorias e argumentos, estaremos a fazer o mesmo tipo de confusão que faz quem substitui o ensino da filosofia pelo ensino da história filosofia, para evitar o caráter aberto da filosofia. Substituir o historicismo pelo enciclopedismo filosófico não representa um passo em frente no ensino de excelência da filosofia. O que há a fazer compreende-se melhor se fizermos uma analogia entre o ensino do atletismo ou da pintura e o ensino da filosofia. O estudante de atletismo ou de pintura não pode limitar-se a compreender teorias sobre o atletismo ou a pintura; tem também de aprender a correr ou a pintar. Ou seja, não podemos limitar-nos ao "saber que", temos de ter também em vista o "saber como".
O mesmo acontece no ensino de excelência da filosofia. O estudante tem de compreender os problemas, teorias e argumentos da filosofia, tal como surgem ao longo da história da disciplina, mas tem também de saber discutir por si os problemas, teorias e argumentos da filosofia. Ou seja, tem de saber filosofar.
Mas como se ensina isso? Do mesmo modo que se ensina a pintar: praticando. O estudante tem de ser estimulado e ajudado a pensar por si nos problemas, teorias e argumentos da filosofia. Estimulado, perguntando-lhe o que pensa ele sobre o problema do livre-arbítrio, ou sobre a ética de Kant, por exemplo. E ajudado, fornecendo-lhe instrumentos filosóficos.
Que instrumentos são esses? Ironicamente, esta é uma área onde a filosofia produziu realmente resultados consensuais ao longo dos séculos. Por exemplo, podemos não saber definir a arte nem o conhecimento; mas sabemos muito mais hoje sobre definições, os seus tipos e estrutura, do que sabíamos há trezentos anos.6 Também não sabemos se os argumentos de Kant a favor da sua ética são cogentes; mas sabemos hoje muito mais sobre cogência argumentativa do que sabíamos há trezentos anos.7 Esta situação é irônica porque quando se substitui o ensino da filosofia pelo ensino da história da filosofia para evitar a ausência de resultados da filosofia, acaba-se por não ensinar os poucos resultados, de caráter instrumental, que a filosofia efetivamente produziu.
Estes instrumentos permitem ao estudante filosofar de modo sofisticado, evitando-se assim outro dos problemas do ensino da filosofia: o lugar-comum opinativo. Se não dermos aos estudantes os instrumentos corretos do filosofar, não podemos esperar deles outra coisa que não meras opiniões de senso comum quando lhes fazemos uma pergunta genuinamente filosófica. É por isso que em algumas instituições de ensino da filosofia nunca se fazem tais perguntas aos estudantes; ninguém lhes pergunta se há livre-arbítrio ou se Deus existe ou o que é a arte ou o conhecimento. Tudo o que se pede ao estudante é que comente textos de filósofos que procuram responder a esses mesmíssimos problemas, que o estudante contudo não tem o direito de discutir diretamente. Sem instrumentos filosóficos adequados, o estudante fica reduzido à mera erudição histórica ou à opinião de senso comum — dois extremos que resultam da mesmíssima deficiência no ensino da filosofia. E para evitar a opinião de senso comum, as instituições de ensino optam decididamente pela erudição histórica e pelo comentário de texto.
Contudo, não basta que o estudante domine os instrumentos críticos da filosofia. É também preciso que tenha a informação teórica relevante. Ao estudar um problema filosófico qualquer, o estudante tem de ter conhecimento dos diferentes tipos de teorias que procuram responder ao problema — e respectivas críticas. Ao estudar cuidadosamente as teorias da filosofia e respectivas críticas, o estudante está também a aprender, por ostensão, a construir teorias e a apresentar críticas. E deve ser estimulado a fazê-lo.
Neste processo, a história da filosofia não fica esquecida, nem a bibliografia primária. Pois é na história da filosofia, tanto antiga como mais recente, que se encontram formulados os problemas, teorias e argumentos da filosofia. Contudo, é preciso evitar cuidadosamente dois extremos:
O historicismo consiste em substituir a filosofia pela sua história. O estudante não aprende a filosofar, mas apenas a explicar as filosofias alheias, e eventualmente a reinterpretá-las infinitamente — nos piores casos, pensando que ao fazer isso está a fazer filosofia.
O enciclopedismo consiste em substituir a filosofia por listas de teorias. O estudante não aprende igualmente a filosofar, mas apenas a fazer tipologias de teorias.
Estes dois extremos são duas maneiras de evitar o ensino genuinamente filosófico da filosofia, precisamente porque tal ensino implica admitir que os problemas da filosofia estão em aberto.
O objetivo do ensino genuinamente filosófico da filosofia é ensinar a filosofar. O estudante saberá filosofar quando souber responder proficientemente a perguntas como as seguintes:
O que é o conhecimento? Justifique.
Concorda com a teoria dos universais de David Lewis? Porquê?
Concorda com o argumento da linguagem privada de Wittgenstein? Porquê?
Isto significa que para ensinar a filosofar é preciso ensinar a ler os textos filosóficos ativa e filosoficamente.
A leitura ativa dos textos dos filósofos caracteriza-se por não ter como fim a mera compreensão das idéias dos filósofos. Ao invés, o objetivo, algo escandaloso para o partidário do cientismo, é saber se o filósofo tem razão ou não e porquê. Os textos são lidos ativamente quando o estudante se pergunta a cada passo se o filósofo tem razão, se a teoria é plausível, se os argumentos apresentados são cogentes, se as definições são aceitáveis, etc. Para poder fazer esta leitura ativa o estudante tem de ter instrumentos filosóficos.
Por outro lado, a leitura é filosófica no sentido em que um texto filosófico tem sempre muitos aspectos interessantes: aspectos estéticos, históricos, psicológicos, sociológicos, etc. Mas tem também aspectos filosóficos: formula problemas filosóficos genuínos, apresenta e defende teorias e argumentos filosóficos, e todas estas coisas têm um interesse intrinsecamente filosófico e não meramente histórico porque tais problemas estão em aberto. É neste sentido que um texto filosófico de Kant, por exemplo, tem uma atualidade que os seus textos científicos não têm; pois os seus textos científicos tratavam de problemas que entretanto foram resolvidos pela ciência, ao passo que os problemas filosóficos de que trata Kant são problemas atuais porque são problemas que ainda hoje ninguém sabe como se resolvem.

O obstáculo da autoridade

Vimos que a natureza da filosofia levanta obstáculos sérios ao seu ensino. A filosofia é fundamentalmente discussão de idéias e as instituições de ensino podem não estar vocacionadas para acolher tal coisa. Mas este não é o único obstáculo ao ensino da filosofia; a própria cultura em que estamos envolvidos pode ser um obstáculo à filosofia. Se vivermos numa cultura autoritária, teremos dificuldade em questionar os grandes filósofos do passado. Em vez de ler ativa e filosoficamente um texto filosófico, faremos uma leitura na qual nunca se investiga cuidadosamente se as idéias do filósofo são plausíveis ou se os seus argumentos são cogentes. Cada filósofo será uma espécie de paradigma incomensurável, perdendo nós o direito a procurar refutá-lo, ou criticá-lo. Essa atitude será vista como arrogância.
Contudo, não se vê Descartes, Aristóteles ou Kant a fazer apenas comentários historiográficos de textos filosóficos. Vemos, pelo contrário, que estes filósofos defendem as suas próprias idéias, e procuram eventualmente refutar ou melhorar as idéias dos seus antecessores. É isto que é fazer filosofia. Mas se vivermos numa cultura autoritária, teremos dificuldade em filosofar porque teremos dificuldade em assumir uma atitude crítica perante as idéias dos filósofos. As idéias dos filósofos serão encaradas como insusceptíveis de discussão direta e clara; por exemplo, perguntar se a teoria transcendental do tempo de Kant é plausível e se os argumentos por ele avançados a seu favor são cogentes parecerá quase uma atitude irreverente. Mas sem esta atitude, irreverente ou não, não há filosofia. Poderá haver histórias da filosofia, comentários de textos filosóficos — mas não haverá filosofia.
Numa cultura autoritária haverá a tendência para usar os filósofos como autoridades, substituindo os argumentos que deveríamos usar para defender idéias pela autoridade dos filósofos. O trabalho acadêmico em filosofia torna-se então o seguinte. Imagine-se que alguém defende ou lhe parece plausível uma dada idéia X. Numa cultura autoritária, o trabalho acadêmico consistirá nisto: essa pessoa procurará encontrar um ou mais filósofos que defendam X, ainda que vagamente. E o seu trabalho consistirá então em expor as idéias desse filósofo sobre X, sem dar grande importância aos próprios argumentos usados por esse filósofo. Afinal, não se trata realmente de discutir a plausibilidade de X com base em argumentos, mas apenas de exibir as credenciais autoritárias da idéia X.
Numa cultura autoritária, ninguém poderá disputar X, precisamente porque esta é a idéia de um grande filósofo, cujo representante distante está perante nós. Tudo o que poderemos fazer é contrapor outro filósofo igualmente famoso, que defende o contrário de X, e depois cada qual escolhe o filósofo da sua preferência. Mas a própria idéia X não pode ser discutida. Na verdade, qualquer tentativa de discussão poderá até ser mal vista. Dado que não se pode discutir idéias sem discutir argumentos, os próprios argumentos ficarão sob suspeita, e poderão ser encarados como "redutores" e "opressores". Numa cultura autoritária, não se considerará redutor nem opressor aceitar os filósofos como autoridades inquestionáveis; mas será vista com desconfiança a atividade filosófica de discutir idéias livremente.
O tipo de trabalho que acabamos de descrever é academicamente fraudulento. É o equivalente da supressão de provas em história, por exemplo, ou em biologia. Imagine-se um historiador que defende uma idéia sobre qualquer aspecto da política do séc. XV, por exemplo. Se ele apresentar apenas os documentos históricos compatíveis com tal idéia, suprimindo cuidadosamente todos os documentos históricos incompatíveis com a sua idéia, estará a cometer uma fraude acadêmica. Ora, é precisamente isso que se fará em filosofia, caso se substitua a autoridade da argumentação pela autoridade dos filósofos do passado: escolhe-se cuidadosamente os filósofos com os quais concordamos, e ignoramos os outros. Este tipo de trabalho é academicamente indefensável.

A escolha de conteúdos

Antes de terminar, é importante abordar alguns aspectos mais pragmáticos do ensino filosófico da filosofia.
Um problema recorrente no ensino da filosofia é a escolha dos conteúdos a lecionar em cada uma das cadeiras que compõem o currículo acadêmico. O que vamos lecionar em Estética, Ética, Teoria do Conhecimento, Metafísica, etc.?8 O historicismo e o enciclopedismo já referidos são duas formas a evitar de responder a este problema.
A abordagem historicista consiste em escolher um ou dois filósofos apenas que o professor geralmente conhece melhor porque os estuda na sua investigação, e reduz-se a disciplina ao que tais filósofos disseram sobre tais temas. Assim, o estudante fica sem conhecer, por exemplo, nem mesmo uma parte central da ética contemporânea — em vez disso, estuda apenas aspectos da ética de Aristóteles e de Kant, por exemplo.
A abordagem enciclopedista consiste em fazer listas de problemas, teorias e argumentos da ética, por exemplo, mas com um grau tal de generalidade que o estudante não contata realmente com qualquer um dos mais importantes filósofos da área, tanto antigos como modernos.
As duas abordagens devem ser evitadas, mas ambas têm vantagens. A abordagem historicista tem a vantagem de fazer o estudante contatar com um ou outro locus classicus da área, apesar de ignorar muitos outros. A abordagem enciclopedista tem a vantagem de dar ao estudante uma visão abrangente da disciplina, tal como ela é hoje estudada.
Uma abordagem correta concilia as vantagens de ambas, procurando evitar-lhes os defeitos. Por um lado, apresenta ao estudante aquilo a que por vezes se chama uma geografia conceptual da área. Ou seja, apresenta ao estudante um conjunto dos mais importantes problemas da área em causa, assim como das respectivas famílias de teorias, juntamente com os seus pontos fortes e fracos. Mas para cada família de teorias escolhe, por outro lado, loci classici contrastantes, do passado ou do presente, que o estudante analisará pormenorizadamente. Assim, o estudante ganha simultaneamente uma visão abrangente e bem organizada dos problemas, teorias e argumentos da área disciplinar em causa; mas não perde o contato com a bibliografia primária. A organização conceptual dos problemas, teorias e argumentos permite ao estudante contextualizar filosoficamente os textos escolhidos; ou seja, o estudante compreende o problema que está em causa naquele texto, que tipo de teoria está em causa, que dificuldades tal tipo de teoria enfrenta, e que teorias alternativas existem.

Conclusão

O estudante que entra numa universidade convencido de que vai poder tornar-se um filósofo e ter o mesmo tipo de atividade que têm os filósofos descobre gradualmente que afinal não é assim. Dele não se espera realmente que filosofe, nem lhe são fornecidos os instrumentos para isso. Dele espera-se apenas que compreenda as idéias dos filósofos do passado; ou que reinterprete os seus escritos; ou que se torne um especialista e defensor incondicional do seu filósofo de eleição; ou que faça qualquer outra coisa. O que não se espera dele é que tente resolver a questão de saber se há universais, por exemplo; ou se Deus existe; ou o que é a arte; ou se na ética só as intenções contam. A sua atividade acadêmica consistirá quase exclusivamente em relatórios sobre o que os filósofos pensam. Não consistirá em tentativas progressivamente mais sofisticadas para filosofar. Tal pretensão pode até ser vista como ridícula.
Contudo, não é ridículo que um estudante de pintura ou de música entre na universidade com a expectativa de aprender realmente a pintar ou a fazer música. Pode até ser incapaz de ser um pintor ou um músico de marcada originalidade. Mas as suas competências não se limitam certamente à história da pintura e da música: saberá pintar realmente, ou fazer música.
Neste artigo tentei explicar por que razão as coisas são diferentes em filosofia e como podemos mudar esse estado de coisas. Devemos encarar com naturalidade que um estudante de filosofia filosofe. Poderá ser incapaz de ser um filósofo de marcada originalidade, mas se é um estudante de filosofia tem de saber filosofar. Filosofar não é fazer relatórios mais ou menos acadêmicos sobre o que os filósofos pensam. Filosofar é fazer o que os filósofos fazem. E compete-nos a nós ensinar os estudantes a fazer isso. O que significa que temos também de aprender humildemente a fazê-lo porque muitas vezes ninguém nos ensinou tal coisa.


Desidério Murcho

Notas

Como a generalidade dos filósofos, Kant partilha esta perspectiva da filosofia, mas tem a particularidade de a relacionar como tipo de ensino que isso implica. Cf. o seu "Anúncio do Programa do Semestre de Inverno de 1765-1766", pp. 2:306-307, in Immanuel Kant, Theoretical Philosophy, 1755-1770 (trad. de David Walford. Cambridge: Cambridge University Press, 1992).
Como muitos outros cientistas, Jorge Buescu sublinha este aspecto admiravelmente no seu livro de divulgação científica O Mistério do Bilhete de Identidade e Outras Histórias (Lisboa: Gradiva, 2001).
Cf. o meu artigo "Does Science Need Philosophy?" (Revista Eletrônica Informação e Cognição, v. 5, n. 2, pp. 50-58, 2006), no qual apresento o famoso argumento que Aristóteles usa no protréptico, semelhante ao argumento usado nesta passagem. Uso também um argumento semelhante no capítulo "O Tempo e a Filosofia", incluído no meu livro Pensar Outra Vez (Vila Nova de Famalicão: Quasi, 2006).
Cf. "O Tempo e a Filosofia", ibidem.
A passagem original de Hume é a última frase da sua Enquiry: "If we take in our hand any volume; of divinity or school metaphysics, for instance; let us ask, Does it contain any abstract reasoning concerning quantity or number? No. Does it contain any experimental reasoning concerning matter of fact and existence? No. Commit it then to the flames: for it can contain nothing but sophistry and illusion." A posição de Hume é uma das primeiras manifestações de inquietação dos filósofos perante a ausência de resultados da ciência, inquietação que teve um efeito nefasto na filosofia até muito recentemente. Evidentemente, o próprio livro de Hume teria de ser deitado às chamas, reeditando-se assim o argumento de Aristóteles, aludido na nota 3.
Cf. o meu verbete "Definição", in Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos, org. de João Branquinho, Desidério Murcho e Nelson Gomes (S. Paulo: Martins Fontes, 2006).
Um argumento é cogente quando, além de ser válido e de ter premissas verdadeiras, tem premissas mais plausíveis do que a conclusão. Veja-se o meu Pensar Outra Vez (Quasi, 2006), cap. 7.
Veja-se o meu artigo "As Disciplinas da Filosofia", in Renovar o Ensino da Filosofia, org. de Desidério Murcho (Lisboa: Gradiva, 2003), no qual apresento brevemente alguns dos conteúdos centrais de cada uma das disciplinas filosóficas, além de distinguir as diferentes disciplinas da filosofia.
Com Aires Almeida, organizei a antologia Textos e Problemas de Filosofia (Lisboa: Plátano, 2006), no qual procuramos pôr em prática algo semelhante ao que está aqui brevemente explicado. Nos livros didáticos A Arte de Pensar (Lisboa: Didáctica, várias edições), procurei também pôr em prática esta abordagem do ensino da filosofia. Note-se que em ambos os casos se trata de livros para o ensino secundário português, o que significa que temos de obedecer a um programa nacional de filosofia profundamente deficiente.
A conferência que está na origem deste artigo foi apresentada pela primeira vez em Outubro de 2007 no I Colóquio do GT Filosofar e Ensinar a Filosofar, que decorreu na Universidade Federal de Uberlândia; agradeço o convite dos organizadores e o caloroso acolhimento. Agradeço muitíssimo a Gonçalo Armijos Palácios, cujas críticas severas à primeira versão desta comunicação me fizeram mudar vários aspectos importantes. Ronai Rocha discutiu comigo profundamente muitas das idéias aqui presentes, levando-me a mudar aspectos importantes, o que muito agradeço. Estas idéias foram também apresentadas na Universidade Federal de Santa Maria, e agradeço a Frank Sauter e a Ronai Rocha o convite e o acolhimento que me deram. Finalmente, apresentei também estas idéias na Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná, cuja platéia me recebeu com imenso carinho. As idéias aqui presentes começaram a ser desenvolvidas no meu livro homônimo, A Natureza da Filosofia e o seu Ensino (Lisboa: Plátano, 2002).

Bibliografia

Almeida, A., Teixeira, C., Murcho, D., Galvão, P., Mateus, P. (2007) A Arte de Pensar: 10.º Ano. Lisboa: Didáctica.
Almeida, A., Teixeira, C., Murcho, D., Galvão, P., Mateus, P. (2008) A Arte de Pensar: 11.º Ano. Lisboa: Didáctica.
Almeida, Aires e Murcho, Desidério, orgs. (2006) Textos e Problemas de Filosofia. Lisboa: Plátano.
Buescu, Jorge (2001) O Mistério do Bilhete de Identidade e Outras Histórias. Lisboa: Gradiva.
Hume, David (1777) An Enquiry Concerning Human Understanding. Edição de Selby-Bigge e P. H. Nidditch, Oxford University Press, Oxford, 1975.
Kant, Immanuel (1755) Theoretical Philosophy, 1755-1770. Trad. de David Walford. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.
Kripke, Saul (1980) Naming and Necessity. Oxford: Blackwell.
Murcho, Desidério (2002) A Natureza da Filosofia e o seu Ensino. Lisboa: Plátano.
Murcho, Desidério (2002) Essencialismo Naturalizado. Coimbra: Ângelus Novus, 2002.
Murcho, Desidério (2003) "As Disciplinas da Filosofia", in Renovar o Ensino da Filosofia, org. de Desidério Murcho. Lisboa: Gradiva.
Murcho, Desidério (2006) "Definição", in Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos, org. de João Branquinho, Desidério Murcho e Nelson Gomes. S. Paulo: Martins Fontes.
Murcho, Desidério (2006) "Does Science Need Philosophy?" Revista Eletrônica Informação e Cognição, v. 5, n. 2, pp. 50-58.
Murcho, Desidério (2006) Pensar Outra Vez. Vila Nova de Famalicão: Quasi.
Artigo publicado na revista Educação & Filosofia (vol. 22, n.º 44, 2008)

FONTE: http://criticanarede.com/naturfilosofia.html

terça-feira, 9 de agosto de 2011

São Paulo promove 1ª Olimpíada de Filosofia do Estado



No próximo dia 24 de setembro acontece, no campus da Universidade Federal do ABC, a 1ª edição da Olimpíada de Filosofia do Estado de São Paulo, que terá como tema central “O o mundo é admirável?! O que nos torna plenamente humanos?”. Estudantes dos Ensinos Fundamental e Médio – das redes pública e privada – participarão de duas etapas de trabalho que consistem no trabalho realizado nas escolas pelos professores e no encontro de todos os alunos na Olimpíada.

Na primeira etapa, cada professor de Filosofia propõe atividades didáticas livres sobre o tema central, que podem ser oficinas, teatro, poesia, desenho, vídeos, fotografia, exposições, música, entre outras formas de expressão artística que expressem o conceito filosófico. Na segunda etapa, os alunos inscritos irão apresentar os trabalhos desenvolvidos e debater o tema em forma de comunidades de investigação.

Com um espírito de acolhimento das diferenças, o evento pretende convocar alunos para um exercício de investigação solidária, como já vêm acontecendo em outros países há mais de uma década. Em 1995, a Unesco recomendou a promoção das Olimpíadas de Filosofia tanto na esfera nacional, como internacional, a fim de estimular o interesse dos jovens por essa disciplina. Na América Latina o evento já acontece em países como Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai, Peru e Colômbia. No Brasil, as Olimpíadas de Filosofia foram realizadas apenas no Estado do Rio Grande do Sul.

De acordo com Luiz Pires, um dos organizadores do evento, as Olimpíadas de Filosofia do Estado de São Paulo têm como meta central o estímulo do pensamento e do trabalho em equipe. “Não se pretende, como o nome do evento poderia erroneamente sugerir, nenhum tipo de competição. A ideia é acolher, em um mesmo espaço, diferentes propostas, fomentando a colaboração, a troca de experiências, a interlocução, o diálogo investigativo, de modo que novos processos filosóficos criativos sejam construídos”, afirma.

Além disso, o evento também promove a integração entre as escolas, o fortalecimento do vínculo entre a Universidade e a Comunidade e o reforço dos objetivos do Ministério da Educação de reintrodução da Filosofia como disciplina obrigatória no Ensino Médio. “De maneira mais específica, as Olimpíadas de Filosofia do Estado de São Paulo buscam aprimorar as habilidades de ler e escrever textos filosóficos, vivenciar o questionamento, a investigação de conceitos e a criação de novas possibilidades de pensar, promover a interface entre a Filosofia e outras áreas do conhecimento e fomentar a participação dos discentes da Educação Básica como agentes criadores e responsáveis pelas atividades”, explica Patrícia Del Nero Velasco, coordenadora do curso de Licenciatura em Filosofia da UFABC.

Maiores informações no site: http://olimpiadasdefilosofia2011.wordpress.com/

Para se inscrever, basta enviar um e-mail para olimpiadadefilosofia@hotmail.com informando:

1. Nome, endereço, e-mail e telefone da Escola.

2. Nível de escolaridade dos estudantes participantes:

3. Número estimado de estudantes participantes na Olimpíada.

4. Nome, e-mail e telefone do(s) professor(es) responsável(eis).

Fonte: http://www.revistaespacoup.com.br/blog/index.php/2011/08/04/sao-paulo-promove-i-olimpiada-de-filosofia-do-estado/

domingo, 10 de julho de 2011

Abertas inscrições para formação de professores da rede pública

Abertas inscrições para formação de professores da rede pública

Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Filosofia e Filosofia da Educação



De 09 a 11 de Novembro acontecerá o Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Filosofia e Filosofia da Educação. O evento será sediado em Ouro Preto no Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da UFOP.

Apresentação
Observa-se com frequência nos departamentos de Filosofia do Brasil certo ceticismo dos graduandos em Filosofia quanto à importância da carreira de professor de Filosofia no Ensino Médio, mesmo sabendo de sua recente obrigatoriedade e da grande demanda de profissionais qualificados para o exercício desta função no país. Parece faltar uma cultura acadêmica que forme um profissional apto e disposto a ensinar tal disciplina neste nível de ensino. Com a Reforma Universitária, as Licenciaturas e os cursos, de maneira geral, viram-se obrigados a rever suas demandas e ampliar perspectivas, inserindo entre elas, a do Ensino nas Escolas.

O Programa de Estímulo a Docência do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Ouro Preto – PED-Filosofia – foi a nossa primeira resposta à demanda de qualificação dos profissionais em Filosofia. A análise de programas de Filosofia e a avaliação dos métodos de ensino e dos materiais didáticos para esta disciplina foram as primeiras atividades desenvolvidas pelo Programa.

Inscrições
DIRETRIZES PARA INSCRIÇÃO DE COMUNICAÇÃO

Para a inscrição de comunicações, os candidatos deverão enviar em anexo a ficha de inscrição completamente preenchida e o resumo da comunicação para o email enpeffe@gmail.com (O título do arquivo em anexo no e-mail deverá conter o nome do do autor e o título abreviados seguidos da sigla do encontro já presente na ficha de inscrição)
O resumo deve conter até 2000 caracteres com espaços e entre 3 e 5 palavras-chave.
A página do resumo não deve apresentar quaisquer informações que identifiquem o autor (nome, titulação, universidade, etc.), pois será avaliado anonimamente. A presença de qualquer dessas informações implicará na desclassificação do comunicador.
Poderão se inscrever graduandos, graduados, pós-graduandos e pós-graduados de qualquer área que esteja vinculada aos temas.
As áreas e respectivas sub-áreas de interesse deste encontro são:
I) Ensino de Filosofia

a) Papel da Filosofia no Ensino Médio

b) Currículos de filosofia (para o ensino fundamental, médio e superior)

c) Materiais Didáticos e Metodologias de Ensino

d) Filosofia e Ensino Religioso

e) Interdisciplinaridade

II) Filosofia da Educação

a) O que é Educação

b) Filosofia da Educação na História da Filosofia

c) Concepções de Filosofia e de Ensino

d) Ética, Política e Educação

6. O comunicador deve definir em qual área de interesse do encontro seu trabalho se localiza. Os resumos que melhor se inserirem nas respectivas áreas de interesse serão aprovados.

7. Cada comunicador poderá enviar somente um trabalho.

Início das inscrições: 16 de maio de 2011
Data limite para envio de trabalhos: 16 de agosto de 2011
Data de divulgação da primeira chamada de trabalhos aceitos: 31 de agosto de 2011
Data limite para inscrições para Ouvinte: 08 de novembro de 2011
Data do evento: 09 a 11 de novembro de 2011

http://enpeffe.wordpress.com/

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Abertas inscrições para Cursos de Formação Continuada para professores da rede pública no Ceará



Estão abertas até o dia 15 de Julho as inscrições para três Cursos de Formação Continuada em Nível de Extensão Universitária para Professores da Rede Pública de Ensino no Ceará nas áreas de Direitos Humanos (DH), Educação Ambiental (EA) e Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Serão ofertadas 2.235 vagas pelo Instituto UFC Virtual em convênio com o Ministério da Educação (MEC), a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) por meio da Universidade Aberta do Brasil (UAB).

Os cursos serão gratuitos, destinados a professores de toda a rede pública estadual e municipal de ensino do Estado do Ceará e serão realizados em 19 municípios.

Outras informações estão disponíveis no edital de Chamada Pública ou no site:

www.virtual.ufc.br/gpege

O Formulário de Inscrição On-Line pode ser acessado pelo site abaixo:

https://sites.google.com/site/editalsecad/

ATENÇÃO: Esta ficha de inscrição é exclusiva para os professores e municípios que não conseguiram realizar as inscrições dos referidos cursos por meio da Plataforma Paulo Freire.

Profº Ms. Marney Cruz
Coordenador Pedagógico - Humanas UFC
85-33669032

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Lançamento do livro FILOSOFIA EM ONZE ATOS



O Serviço Social do Comércio e a Editora Caminhar têm a honra de convidar V.Sa. para o lançamento do livro FILOSOFIA EM ONZE ATOS (Orgs. Casemiro Campos e Erika Bataglia) e co-autoria de Marney Eduardo Ferreira Cruz, como parte da programação do Projeto Bazar das Letras a realizar-se no dia 21 de junho de 2011 (terça-feira), às 19h, no SESC-Centro - Espaço Multicultural - Rua 24 de Maio, 692 - Centro - Fortaleza - Ceará. Após o lançamento será servido um coquetel.

terça-feira, 24 de maio de 2011

OS DESAFIOS DE UMA EDUCAÇÃO PARA O PENSAMENTO E PARA A CULTURA: o problema do livro didático



Nietzsche critica os estabelecimentos de ensino, argumentando que estes não formam o
estudante para o pensamento, mas que, vinculado ao Estado e seus objetivos utilitários de formação para o trabalho e a obediencia, busca formar o máximo de pessoas com um saber médio. No máximo, forma-se um erudito detentor dos conhecimentos de uma determinada ciência. A educação desses estabelecimentos não pode formar homens para um pensamento autêntico e livre, pois, vinculada ao Estado, não consegue ter um compromisso com a verdade, mas com objetivos politicos e ideológicos.

Vemos nossos estabelecimentos de ensino atuais nestas mesmas condições.
Seus objetivos são o de formação de profissionais e cidadãos cumpridores de regras. Com os olhos voltados para os nossos estabelecimentos de ensino queremos crer que a volta da filosofia para o ensino médio pode ser um momento de resistência a esta lógica de ensino. A sala de aula é um espaço de resistência onde, mesmo sendo um funcionário pago para servir aos interesses do Estado, o professor pode decidir o quê e para quê ensinar.

Um professor de filosofia compromissado com a formação filosófica dos seus alunos seria aquele que não abriria mão da filosofia na sala de aula, que oporia resistência a esta lógica de formação rápida para o mercado de trabalho. Recorrer aos clássicos, é isto que Nietzsche diz ser o primeiro passo para uma educação para o pensamento. Recorrer aos clássicos para se aprender a escrever e a falar a lingua materna, para aprender a organizar o próprio pensamento e, partindo daí, alcançar a autonomia de pensar por si próprio.

Diante do exposto, partimos da hipótese de que o livro didático de filosofia é um grande obstáculo para o acesso a este pensamento vivo dos clássicos. Os livros didáticos apresentam o pensamento dos filósofos como algo morto, que pertence ao passado histórico, uma superficial enciclopédia de sistemas filosóficos que nada têm a dizer sobre a vida e a existência do estudante. O objetivo deste trabalho é, então, problematizar a adoção do livro didático
como texto central na aula de filosofia.

Autor: Eduardo Ferraz Franco

O artigo completo pde ser lido pelo endereço: http://www.ceped.ueg.br/anais/ivedipe/pdfs/filosofia/co/233-494-1-SM.pdf

Artigo apresentado no IV EDIPE – Encontro Estadual de Didática e Prática de Ensino ‐ 2011

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Chegou a hora da Filosofia



Obrigatoriedade da disciplina é oportunidade para que seu currículo adote conteúdos enciclopédicos de forma interdisciplinar e com abordagem histórica

Sílvio Gallo

"A filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos /.../
O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência.
Quer dizer que a filosofia não é uma simples arte de formar,
de inventar ou de fabricar conceitos, pois os conceitos não são necessariamente formas, achados ou produtos. A filosofia,
mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em criar conceitos."
(G. Deleuze e F. Guattari, O Que é a Filosofia? RJ: Ed. 34, 1992, p. 10-13)

Desde os anos de 1980 que se debate a inclusão da Filosofia como disciplina do currículo do ensino médio. Naqueles anos, debates acalorados entre os defensores de sua inclusão e aqueles que se colocavam contrários, afirmando que não teríamos professores bem formados em número suficiente para dar conta da tarefa, misturavam-se com a discussão mais ampla em torno do retorno do país à democracia. Naquele contexto, dois argumentos dos defensores da volta da Filosofia aos currículos chamavam a atenção: o primeiro afirmava que essa disciplina seria importante na formação da consciência crítica dos estudantes; o segundo, que a Filosofia possui um caráter interdisciplinar e poderia contribuir para o diálogo entre as várias disciplinas do currículo.

Em dezembro de 1996, foi aprovada a Lei nº 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que determinava que os estudantes do ensino médio deveriam ter acesso aos "conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania". Mas a lei não afirmava que esses conhecimentos devessem estar disciplinarmente inseridos no currículo. De algum modo, o dispositivo legal responde aos debates da década de 1980: afirmar a importância da Filosofia na formação cidadã é responder à demanda por uma formação crítica; e não afirmá-la como disciplina significa ressaltar seu caráter interdisciplinar.

Porém, o Conselho Nacional de Educação aprovou neste ano uma Resolução que determina que no prazo de um ano as escolas que operam com currículos disciplinares deverão introduzir disciplinas de Filosofia e Sociologia. No caso da Filosofia, isso já é realidade nas redes públicas da maioria dos estados do país, e a decisão do CNE vem referendar o fato.

Alguns desafios e algumas armadilhas

Ficamos então desafiados: como ensinar Filosofia no ensino médio? Mais do que isso: como ensinar de maneira significativa Filosofia para os jovens brasileiros de nosso dia?

Encontramos num texto do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, escrito em 1874, um alerta importante. Em Schopenhauer como Educador, ele denunciou o ensino de Filosofia na escola média alemã de sua época, e também o ensino dessa disciplina nos primeiros anos dos cursos universitários, como o exercício de um desprezo pela Filosofia. Segundo Nietzsche, o Estado alemão havia investido na Filosofia décadas atrás, por exemplo, na época de Hegel, quando precisava de suporte para sua consolidação. Mas, no final do século XIX, já consolidado, ensinava-se uma Filosofia completamente afastada da vida dos jovens estudantes. O ensino criticado por Nietzsche era um ensino "enciclopédico": os jovens aprendiam uma série de sistemas filosóficos, seus princípios doutrinários e as críticas a esses sistemas. E depois tinham que fazer uma prova em que demonstrassem o aprendizado. Segundo o filósofo, o resultado era que os estudantes decoravam os sistemas e suas refutações às vésperas do exame, faziam a prova e esqueciam tudo em seguida. Esse era o desprezo pela Filosofia: algo que se decora para passar num exame e esquecer em seguida.

No Brasil de nossos dias, este é o desafio: como não temos um currículo definido para a Filosofia, a abertura é muito grande, e os desafios são enormes. Um dos riscos é justamente o de cairmos num ensino enciclopédico, como aquele criticado por Nietzsche mais de cem anos atrás... E não é um risco assim tão pequeno: algumas universidades têm introduzido provas de Filosofia em seus exames vestibulares, com um programa que abarca praticamente toda a história da filosofia. Daí para as escolas de ensino médio definirem um currículo para a disciplina de Filosofia, que seja um panorama histórico a ser descortinado em um ou dois anos, é apenas um passo. E penso que um ensino enciclopédico como esse teria muito pouco a dizer ao jovem brasileiro, levando a um desprezo pela Filosofia.

Três possíveis eixos curriculares

Temos ao menos três eixos em torno dos quais podemos construir um currículo de Filosofia: um eixo histórico, um eixo temático e um eixo problemático.

No primeiro, organizamos os conteúdos a serem ensinados seguindo uma cronologia histórica. O problema, nesse modelo, é que a chance de cair num ensino enciclopédico, apresentando um desfile de nomes de filósofos, pensamentos e datas, é muito grande.

E, no contexto de um currículo já muito conteudista, a Filosofia é vista como apenas um conteúdo a mais.

No segundo, elegemos temas de natureza filosófica, como a liberdade, a morte ou outro qualquer, sendo que podemos ou não tratar os temas numa abordagem histórica. De qualquer forma, os conteúdos são apresentados de forma temática, numa tentativa de torná-los mais próximos da realidade vivida pelos jovens. Em termos de organização didática dos conteúdos a serem trabalhados no nível médio, essa abordagem parece-me mais apropriada que a anterior.

Por fim, na terceira alternativa, os conteúdos são organizados em torno dos problemas tratados pela filosofia, que por sua vez se recortam em temas e podem ser abordados historicamente. Em minha visão, essa abordagem abarca as duas anteriores, na medida em que permite tanto o acesso aos temas filosóficos mais relevantes quanto à história da filosofia. Mas também avança para além delas, pois toma a filosofia como uma ação, uma atividade, posto que se organiza em torno daquilo que motiva e impulsiona o filosofar, isso é, o problema.

Mas, o que é mesmo filosofia?

Para ensinar, é preciso que o professor, em primeiro lugar, tenha claro para si mesmo o que ele entende por Filosofia. Sabemos que, ao longo da história, são várias as concepções de Filosofia, e o mínimo que se pode esperar é que o professor apresente coerência entre aquilo que ele entende por Filosofia e aquilo que ele ensina em sua prática escolar. Resolver essa questão é o primeiro passo para fazer a escolha por um dos três eixos apresentados.

Particularmente, gosto muito de uma definição apresentada pelos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari, apresentada na obra O Que é a Filosofia?, publicada na França em 1991 e já traduzida no Brasil desde 1992. Nesse livro Deleuze e Guattari apresentam a Filosofia como uma atividade do pensamento que consiste em criar conceitos. Mobiliza-me essa definição em dois aspectos: primeiro, por tomar a filosofia como uma ação, uma atividade. A Filosofia é apresentada como um ato, ato de pensamento. Para o ensino e o aprendizado da Filosofia, isso é determinante, pois para sermos fiéis a esse tipo de experiência de pensamento, não basta que ensinemos seu produto, mas é essencial que façamos a própria experiência. O segundo aspecto é que eles atribuem à Filosofia uma especificidade que só ela tem: a de produzir conceitos.

O leitor possivelmente pensará: mas o conceito não é exclusivo da filosofia; e os conceitos produzidos pelas diversas ciências? E aí está o ponto. O que Deleuze e Guattari denominam por conceito não é aquilo que comumente chamamos de conceito, na ciência, por exemplo. Em geral, tomamos conceito por noção, definição, representação mental. A definição é algo que resolve uma pergunta e, com isso, paralisa o pensamento. Explico: penso, a partir de um problema que tento resolver, de uma pergunta para a qual busco resposta. Se encontro a resposta, cessa o movimento. A definição responde à pergunta. Para Deleuze e Guattari, a Filosofia é um exercício de pensamento que não cessa, que não paralisa. É um tipo de pensamento que se articula em torno do problemático, em torno de problemas que não se resolvem de forma direta, imediata e definitiva. O conceito, para eles, não é uma definição.

Em obras como Diferença e Repetição e Lógica do Sentido, publicadas em 1969, antes de sua produção em parceria com Guattari, Deleuze já estava preocupado em produzir uma Filosofia fora do eixo da representação, que domina o pensamento ocidental desde que Platão inventou uma maneira de pensar e produzir Filosofia. Assim, a noção de conceito que ele forja com Guattari anos depois nada tem a ver com representação mental e definição. Para eles o conceito é, ao mesmo tempo, um ato de pensamento e um produto do pensamento. O conceito é uma forma de equacionar o problema, que motiva a experiência filosófica, sem, no entanto, resolvê-lo ou eliminá-lo. A um só tempo, o conceito é resultado de uma experiência de pensamento e um motivador, um impulsionador de novas experiências de pensamento.

Para Deleuze e Guattari, o pensamento é essencialmente criativo; e há três potências de criação no pensamento: a Arte; a Ciência; a Filosofia. Cada uma delas é uma forma distinta de experimentar o pensamento e cada uma delas produz um resultado diferente para suas experiências. Aquilo que o cientista produz eles chamam de funções. O que é produzido pelo artista eles denominam perceptos e afectos. E chamam de conceitos aquilo que produz o filósofo. Assim, o que a Filosofia faz só ela faz. A Filosofia não pode ser substituída pela Arte ou pela Ciência, assim como não pode substituir nenhuma delas. Ao contrário, essas três potências de complementam e se alimentam entre si, umas fazendo com que as outras possam ser mais criativas.

Os quatro passos para a aula de Filosofia

Pois bem. Se tomarmos a Filosofia como sendo a arte de criar conceitos, como fica o seu ensino no nível da educação média?

Como já afirmei, assumir essa idéia de Filosofia implica conceber um ensino ativo, em que o estudante não fique condenado a simplesmente assimilar conteúdos, a decorar idéias e sistemas. Se a Filosofia consiste na experiência com o conceito, é importante que o jovem estudante tenha a oportunidade de fazer ele mesmo a experiência do pensamento e não apenas reproduzir, assim como seria importante que, numa aula de química, por exemplo, o estudante fizesse, ele próprio, a experiência no laboratório, não apenas tomando ciência do resultado no livro didático.

Mas, para que o estudante possa fazer ele mesmo a experiência, o professor de filosofia precisa dotá-lo das ferramentas para isso e mediar o processo. Penso que isso é possível quando organizamos o ensino de Filosofia em torno de quatro passos didáticos.

A primeira etapa é a sensibilização. Como já afirmei antes, só pensamos quando somos instigados a isso por problemas. Pensar é uma necessidade vital motivada pelos problemas; portanto, não basta que o professor apresente aos estudantes falsos problemas, problemas artificiais, inventados apenas para motivar o trabalho de sala de aula. Os problemas propostos devem ser vividos pelo aluno como problemas seus, que o mobilizem para fazer o movimento de pensamento. Para isso os estudantes precisam ser sensibilizados para os problemas, de modo a vivê-los como seus. Assim, a aula de Filosofia começa com o recurso ao não-filosófico, a instrumentos que possam despertar nos jovens o interesse por aquele assunto, por um determinado tema.

Nessa etapa de sensibilização, penso ser muito produtivo o recurso a filmes, a músicas, a contos, a poemas, a programas de televisão. O professor pode passar um filme ou um trecho de um filme que coloque em questão a temática a ser abordada, discutindo em seguida de modo a mostrar a relação daquele tema com a vida dos estudantes. Ou pode fazer o mesmo usando um poema, uma música, algo que diga respeito ao universo cultural próprio dos estudantes.

Após a sensibilização, temos a etapa da problematização. Aqui, trata-se de transformar o tema em problema. O professor coloca em prática o sentido crítico e investigador da Filosofia, instigando os alunos a produzirem questões a partir do tema abordado. Quanto mais intensa e múltipla for essa problematização, mais elementos a classe e cada estudante terão para produzir sua própria experiência de pensamento.

A terceira etapa é a da investigação. Aqui o professor faz uso da história da Filosofia, recorrendo a filósofos que, em sua época e em seu contexto, pensaram sobre o tema que está sendo abordado. A história da Filosofia e os filósofos, tomados como ferramentas para compreender melhor aquele tema e o problema que está sendo investigado, ganham um sentido e um significado especial, não sendo apenas mais um conteúdo a ser decorado pelos estudantes.

A quarta etapa é a conceituação. Este último passo é o exercício da experiência filosófica propriamente dita. O estudante recria os conceitos estudados, refazendo ele mesmo o movimento de pensamento que levou à sua criação, desde o problema inicial. Ou, ainda, ele pode ser estimulado a criar um novo conceito, que ofereça uma outra forma de equacionar o problema enfrentado.

Talvez o leitor pense ser muita pretensão afirmar que estudantes do ensino médio tenham condições de criar seus próprios conceitos. A isso eu reagiria dizendo que muita pretensão é pensar que só os "grandes filósofos" puderam ser criadores. Criar um conceito não significa, apenas e necessariamente, criar uma obra-prima, que atravessará os séculos. O jovem estudante pode criar um conceito que diga respeito apenas à sua experiência pessoal, que não adquira maior sentido fora e para além de sua própria experiência. Mas isso não obscurece o fato de ele ter sido capaz, de haver ele mesmo feito a experiência de pensamento.

Saber compor música ou tocar um instrumento não fazem de mim, necessariamente, um músico de sucesso. Mas, mesmo que eu toque apenas na solidão de minha casa, isso não me tira o prazer e o aprendizado de fazer a experiência musical. O mesmo se passa, penso, com a experiência do pensamento filosófico, que pode ser disponibilizada para nossos jovens estudantes.

É esse tipo de autonomia e liberdade de pensamento que penso que as aulas de Filosofia no ensino médio podem oportunizar aos jovens brasileiros, e que nenhuma outra disciplina o fará.


O que você precisa saber para ensinar filosofia

Para posicionar-se no contexto de um conhecimento que possui mais de dois milênios e meio de história, não ignorando essa história, mas também não se mantendo submisso a ela, há de se fazer com que o pensamento filosófico siga vivo e ativo. De acordo com o filósofo espanhol Fernando Savater, no epílogo de seu livro As Perguntas da Vida (Martins Fontes, 222 págs., R$ 36,30), o professor de filosofia deve ter em mente as quatro seguintes premissas.

1ª - "Não existe 'a' filosofia, mas 'as' filosofias e, sobretudo, o filosofar (...)Há uma perspectiva filosófica em face da perspectiva científica ou artística, mas felizmente ela é multifacetada (...)"

2ª - "O estudo da filosofia não é interessante porque a ela se dedicaram talentos extraordinários como Aristóteles ou Kant , mas esses talentos nos interessam porque se ocuparam dessas questões de amplo alcance que são tão importantes para nossa própria vida humana, racional e civilizada (...)"

3ª - "Até os melhores filósofos disseram absurdos notórios e cometeram erros graves. Quem mais se arrisca a pensar fora dos caminhos intelectualmente trilhados corre mais riscos de se equivocar, e digo isso como elogio e não como censura (...)"

4ª - "Determinadas questões extremamente gerais aprender a perguntar bem também é aprender a desconfiar das respostas demasiado taxativas (...)"


Gilles Deleuze e Félix Guattari: um feliz encontro

O filósofo Gilles Deleuze (1925-1995) e o psicólogo e ativista social Félix Guattari (1930-1993) conheceram-se no final dos anos de 1960, no calor das agitações revolucionárias de 1968. Franceses, eles estabeleceram uma colaboração intelectual que resultou em uma produção marcada pela experiência de pensamento como uma libertação dos colonialismos intelectuais. Tomaram de maneira crítica as principais influências intelectuais na França dos anos de 1960: o marxismo, a psicanálise, o estruturalismo, para produzir uma obra nova e criativa, algumas vezes pensando com eles e, muitas vezes, contra eles. Juntos, Deleuze e Guattari escreveram: O Anti-Édipo - Capitalismo e Esquizofrenia (1972), Kafka - Por uma Literatura Menor (1975), Mil Platôs - Capitalismo e Esquizofrenia (1980), O Que é a Filosofia? (1991).

Deleuze foi professor de liceu e de várias universidades francesas, em especial da Universidade de Paris VIII - Vincennes. Estudou diversos filósofos, como Hume, Bergson, Espinosa e Nietzsche, sobre os quais escreveu obras importantes. Guattari foi diretor da Clínica de La Borde, onde exerceu práticas de análise institucional. Foi muito próximo de vários movimentos sociais e políticos de resistência e de transformação, em especial nos anos de 1960, 1970 e 1980, até sua morte.


O mestre Friedrich Nietzsche

Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) foi um dos mais emblemáticos filósofos do século XIX. Estudou filologia e muito jovem tornou-se professor da Universidade de Basiléia, na Suíça. Pela filologia aproximou-se da filosofia grega antiga, sendo uma de suas primeiras obras uma análise da importância da tragédia na cultura grega (O Nascimento da Tragédia, de 1872). Crítico da filosofia sistemática produzida na universidade e muito doente, afastou-se cedo do meio acadêmico. Sua produção intelectual é intensa até 1888, quando um colapso nervoso o deixou completamente incapaz de produzir até sua morte, mais de uma década depois. A obra de Nietzsche é marcada por uma crítica da exacerbação do racionalismo na modernidade, por uma afirmação da vida e da criação. Nietzsche foi importante influência para uma geração de filósofos franceses contemporâneos, como Deleuze, Foucault e Derrida, por exemplo. Desde meados dos anos de 1980, principalmente, sua obra tem sido intensa e extensamente estudada no Brasil e em vários outros países.


Leitura obrigatória

Quatro obras para enriquecer o seu repertório filosófico:

Uma Introdução ao Ensino da Filosofia,
de Guillermo Obiols
(Unijuí, 150 págs., R$ 15)

Obiols foi professor de prática de ensino em Filosofia durante muitos anos na Universidade de Buenos Aires, formando várias gerações de professores para a educação básica da Argentina. Nesse livro, apresenta uma sólida reflexão, resultante desses vários anos de experiência, teorizando o ensino de Filosofia e buscando elaborar um modelo conceitual que possa ser utilizado pelos professores. Para isso, articula seus conhecimentos de Filosofia com a bibliografia contemporânea especializada nas áreas de Pedagogia e Didática.

Filosofia no Ensino Médio,
de Sílvio Gallo e Walter Kohan
(Vozes, 208 págs., R$ 31,40)

Esta obra reúne uma série de textos de pesquisadores contemporâneos, brasileiros e estrangeiros, que investigam a temática do ensino da Filosofia na educação média. Oferece um amplo panorama, com abordagens sobre a história do ensino da Filosofia na educação média brasileira; sobre experiências estrangeiras com o ensino de Filosofia, na França e no Uruguai; e uma série de textos que, de diferentes perspectivas teóricas, interrogam os sentidos e as práticas de ensino de Filosofia no ensino médio brasileiro em nossos dias.

Explicando a Filosofia com Arte,
de Charles Feitosa
(Ediouro, 200 págs., R$ 49,90)

Charles Feitosa produziu um livro didático a partir da afirmação de Deleuze de que a Filosofia pode ser "pop", como a música. Um belo livro em vários sentidos, tanto no cuidado da produção estética, repleto de imagens coloridas, plenamente articuladas com os assuntos, quanto em relação ao texto, a um só tempo simples e correto, sem maneirismos. Obra vencedora do Prêmio Jabuti 2005, na categoria livros didáticos.

Ética e Cidadania - Caminhos da Filosofia,
de Sílvio Gallo
(Papirus, 112 págs., R$ 28)

Produção coletiva do Grupo de Estudos sobre Ensino de Filosofia sediado na Universidade Metodista de Piracicaba, vencedora do Prêmio Jabuti 1998, na categoria livros didáticos. Apresenta uma abordagem temática da Filosofia, com base em uma pesquisa feita com professores de Filosofia do interior do Estado de São Paulo, articulados em torno da ética e da cidadania como referenciais básicos. A obra oferece farto material de apoio aos textos, na forma de poemas, músicas e filmes que podem ser trabalhados como sensibilização para o tema ou como reforço ao trabalho conceitual. A partir da 11ª edição (2004) esse material de apoio foi revisado e atualizado.


Sílvio Gallo é professor da Faculdade de Educação da Unicamp. Autor, dentre outros, de Deleuze & a Educação (Autêntica) e do livro didático Ética e Cidadania: Caminhos da Filosofia (Papirus). Pesquisador do tema do ensino de Filosofia, co-organizou as seguintes coletâneas: Filosofia no Ensino Médio (Vozes); Filosofia do Ensino de Filosofia (Vozes) e Ensino de Filosofia: Teoria e Prática (Unijuí).

Fonte: http://revistaeducacao.uol.com.br/textos.asp?codigo=12008
REVISTA EDUCAÇÃO - edição nº116